Brody Dalle

Escrito e editado por: Angélica Albuquerque


“Eu não sei como fazer outra coisa e se eu não fizesse isso [música], iria passear nesta terra como uma pessoa incompleta.” – Brody Dalle



     Brody Dalle (cujo seu verdadeiro nome é Bree Joanna Alice Robinson, embora outros nomes sejam divulgados pela internet) nasceu no Mercy Hospital, em Melbourne, Austrália, no primeiro dia de janeiro de 1979. Quem a vê hoje em dia e não conhece a fundo sua história, pode não imaginar o quanto sua infância e adolescência foram duras.

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     Brody, que declarou ter sido uma criança muito triste, sempre teve um relacionamento amargo com sua mãe, uma enfermeira feminista, ateia, política e esquerdista. Aos 4 anos de idade, ela fugia de casa, constantemente. Ainda criança, assistiu à sua progenitora expulsar de casa seu pai biológico por abuso. Então, como fruto do casamento com outro homem, deu para Brody uma irmã (Madeleine). 
     Essa mudança na família só agravou a tensão no relacionamento de Brody com sua mãe. Foi nessa época que ela começou a usar drogas, a faltar aulas e a preferir a rua a seu próprio lar: “Por volta dos 13 anos, eu comecei a ficar com muita raiva e ódio da minha mãe - Quero dizer, comecei realmente a odiar a minha mãe, ela me odiava também. Nós acabávamos sufocando uma a outra na cozinha. Eu sempre fui uma garota com raiva, então eu comecei a fugir e fazer coisas de adolescente [com raiva] - me cortando, me drogando, não indo à escola.” Mas ela também explicou que nunca viveu em função das drogas como as pessoas que vendem pertences para alimentar o vício: “Eu só experimentei, como todo mundo.” Para completar, ela também passou a fazer automutilação para tentar aliviar a dor de uma terrível lembrança do passado: “Eu sofri abuso sexual quando criança, então acho que boa parte disso me influenciou a praticar a automutilação. A maioria das mulheres que eu conheci, tive contato ou li sobre (terem sido abusadas), se cortavam ou então fodiam com suas vidas... E acontece a mesma coisa com alguns garotos. Para mim, é apenas algo que passou. Eu não queria continuar fazendo isso.”

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     Embora seus 13 anos tenham sido marcados pelo começo de mais momentos angustiantes e turbulentos, essa idade marcou também os seus primeiros passos de fato na música. Depois de ter conhecido com 5 anos a banda The Go Go’s através da compilação The Beat Girls; ter visto seu primeiro show ao vivo, Cyndi Lauper, com 7 anos e ter começado a ouvir Nirvana e Sonic Youth com 12, Brody então, aos 13 , conheceu a sua banda punk favorita, Discharge, através do excelente disco Why: “Eu amei porque era muito rápido e muito louco, eu nunca tinha ouvido nada igual a isso - tudo gritado. Tenho que certeza que eu não entendia, na verdade, muito sobre política, mas era exatamente como eu me sentia. Era exatamente o que eu queria dizer.”
     A partir de todas essas descobertas, a vontade de fazer música despertou em Brody. “Eu amava música. Era uma linguagem que eu sempre entendi desde que era pequena. Eu aprendi a falar ela como poesia.” 
     Brody tocava flauta quando era criança, porém ela odiava o instrumento. Tanto que ameaçava acertá-lo na cabeça do seu professor. Ela, então, começou a compor e a tocar guitarra aos 13 anos, quando seu tio Frazer a ensinou os seus primeiros acordes: “Meu tio Frazer era um muso e um surfista, ele tinha uma rickenbacker 1960 que eu costumava babar e um par de violões antigos, um deles ele deu para mim. Ele me ensinou alguns acordes, sendo o mais fácil mi maior e mi menor e eu toquei esses acordes várias vezes por horas, até que meus dedos ficaram severamente empolados.” Uma das primeiras músicas que Brody aprendeu a tocar, senão a primeira de todas, foi Teenage Whore”, presente no álbum Pretty On the Inside do Hole.

biografia-brody-dalle-sourpuss     Sua carreira, então, começou apenas 1 ano depois, aos 14 anos, em uma banda só de meninas que se conheceram em um show para todas as idades. “Eu acho que foi no do Meanies”, conforme uma vez ela contou.
     Com o Sourpuss formado e fazendo alguns shows; com os problemas em casa piorando e após ter sido expulsa de 2 escolas católicas - em suma por não ser batizada e ter arrumado problemas por beber o sangue de Jesus e comer sua carne, “você não é uma criança de Deus”, era o que diziam - Brody resolveu arriscar a morar sozinha em Jalong, uma pequena cidade à 1 hora de Melbourne. Mas a experiência não foi tão agradável: “Uma merda, um lixo de lugar. Minha casa ficava na verdade na via expressa, então eu senti, metaforicamente, que eu nunca fui tranquila. Vrum, vrum, vrum por toda noite - A janela do meu quarto ficava nessa via expressa. Era um caos total durante todo dia, todo dia.”  

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     Sem dinheiro, a única saída de Brody foi, então, voltar para a casa de sua mãe, e o que poderia ter sido uma má ideia, foi, na verdade, bem favorável para ambas, já que mantém um bom relacionamento desde então: “Naquele momento, no qual vivi sozinha, eu percebi que eu não poderia realmente funcionar muito bem. Então fui pra casa e quando andei até minha mãe que estava lavando louças, eu apenas fiquei lá e olhei para ela como nunca tinha a visto antes - como uma mulher, não como minha mãe, como uma pessoa que tinha pensamentos e sentimentos e vida própria antes de eu ter surgido. Eu pensei, 'Ai, merda, nós temos que virar amigas agora.” Com a situação sob controle, Brody tentou explicar o que a levou a ter um péssimo relacionamento com sua mãe e vice versa: “Eu acho que com as meninas e suas mães, você alcança uma certa idade e então há essa tensão inegável. Você está tentando sair do ninho, ela quer que você fique...”

     A vida de Brody começava a passar por uma nova fase e realmente mudar. Na véspera do Ano Novo de 1995, o Sourpuss tocou no Somersault Australia Festival e dentre as bandas que também se apresentaram estavam Bestie Boys, Sonic Youth e o Rancid, liderado por Tim Armstrong. Foi ali onde Brody o conheceu e se apaixonou perdidamente, chegando até a mencionar que foi uma espécie de “amor à primeira vista”: “Foi no meu aniversário de 17 anos (meu aniversário é no Ano Novo). Eu tinha 17 anos e disse a ele que tinha 19 - ele era tão tesudo e tão lindo, e eu fiquei totalmente apaixonada por ele.”

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     Naquele ponto, o Sourpuss enfrentava alguns problemas que guiaram a banda ao seu término. Então, ao completar 18 anos e se libertar desse compromisso musical, Brody se casou com Tim e se mudou para os Estados Unidos no dia 8 de abril de 1997, onde vive até hoje e sem pensar em retornar de vez para a Austrália.

     Ao chegar em Los Angeles, uma das primeiras providências de Brody foi, justamente, procurar membros e começar uma banda nova: “Depois que a minha primeira banda - Sourpuss - se separou, eu sabia que aquilo era tudo que eu queria fazer. Ter sido expulsa da escola e ter sido motivo de risadas por não ter um corte de cabelo certo me fizeram perceber que eu não queria fazer nada além de tocar música. Eu não sabia direito como, mas eu sabia que eu iria fazê-lo.”
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     O Distillers nasceu no final de 1998, quando Brody encontrou nos escritórios da gravadora Epitaph o baterista Matt Young e a baixista Kim Fuellerman.
     Após o lançamento do seu EP homônimo e de estreia, em 1999, a banda sofreu diversas mudanças na sua formação; excursionou com bandas como Dropkick Murphys, No Doubt, Garbage, AFI (inclusive foi nessa época que o vocalista Davey Havok introduziu Brody ao vegetarianismo) e lançou 3 bem recebidos discos que deram notoriedade à Brody como pessoa e artista, o que de certa forma foi bem positivo, mas também trouxe alguns sérios problemas pessoais.

    Tudo começou quando, na edição de junho de 2003, ela apareceu na revista Rolling Stone norte-americana trocando línguas com o líder do Queens of the Stone Age e ex-Kyuss, Joshua Homme, e também o segurando no colo, com a mão em sua virilha. A situação causou revolta no mundo da música, que ficou dividido em dois grupos: os que estavam do lado de Tim e os que apoiavam Brody e Josh.
     Após ouvir tantas discussões e tantas ofensas, Brody resolveu voltar naquele mesmo ano para a Austrália, de onde ligou para informar Tim sobre sua decisão: Eu contei pra ele que eu não poderia mais, estava acabado. Foi a mais difícil coisa que eu fiz na vida. E foi o maior sentimento de libertação que eu já senti em minha vida.

biografia-brody-dalle      Ao voltar para os Estados Unidos e assim encarar o divórcio e suas consequências (depois de um tempo, até com bom humor, já que o Distillers nomeou uma turnê americana de “A Turnê da Mulher Mais Odiada da Terra”), Brody mudou o sobrenome Armstrong para Dalle (em homenagem à Beátrice Dalle, protagonista do filme “Betty Blue”) e oficializou a união com Josh. 

     Mas não foi aquela sessão de fotos que marcou o primeiro encontro deles. O casal já se conhecia há tempos: “A primeira vez que eu o conheci, eu tinha 17 anos e ele tinha 22. Foi durante uma turnê do festival Lollapalooza. Eu amava Kyuss, aí o vi e sabia que a banda tinha acabado e então começamos a conversar sobre isso e tiramos uma foto juntos. Eu era muito fãzinha. Ficamos sem nos ver de novo por 7 anos.” 
     Enquanto Brody era fã do seu trabalho, Josh era encantado por ela: “Ele contou para as pessoas que a gente ficado. Foi realmente fofo, ele disse ao Mark Lanegan que tinha ficado comigo, mas é claro que ainda não tinha. Ele me disse que sempre teve uma queda por mim... Era pra ser.”
     O sentimento se tornou recíproco e os dois começaram a namorar e a residir em San Fernando Valley: "Me desculpe... Você sabe aquele sentimento doente que mexe com suas vísceras, aquele sentimento apaixonado? Eu tenho todos eles a todo momento”. “Joshua é o meu marido e o meu melhor amigo; seu impacto em mim é imenso, não seria o bastante usar palavras para descrever”.
biografia-brody-dalle-camille-orrin     Então, no dia 17 de janeiro de 2006, com 3.15kg, nasceu Camille Harley Joan Homme. Após esse acontecimento, em 2007, Josh e Brody se casaram. Já em 2011, no dia 26 de janeiro, Brody anunciou no seu Twitter que o casal estava esperando o seu segundo filho, Orrin Ryder Homme, nascido no dia 12 de agosto.

     Mas se 2006 por um lado marcou o nascimento de Camille, por outro, marcou o hiato indefinido do Distillers. Com mais essas mudanças ocorrendo na vida de Brody, ela contou que chegou a cogitar aposentadoria para se dedicar à família: “Em suma porque parecia ser o caminho mais fácil e também, quando você se torna mãe, você se sente culpada por tudo e então, de novo, parecia [algumas vezes] ser o caminho mais fácil. [Porém] Minha mãe não seguiu o seu sonho, que era ser artista, e eu sei que isso teve um efeito negativo na sua felicidade, então para que sua perda possa valer a pena e para dar à minha filha o dom de amar o que você faz e seguir o seu coração, eu preciso trabalhar.

     Brody já foi florista e já trabalhou em um McDonalds, mas a compulsão por fazer música sempre falou mais alto. Além do mais, ela contou por diversas vezes que não saberia fazer outra coisa a não ser isso: “Música é uma coisa tipo uma compulsão, algo que eu não posso evitar fazer. Então eu faço. É como a gente ganha a vida. É o que eu venho fazendo desde os meus 13 de idade.

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     Foi quando Brody decidiu formar a Spinnerette com a ajuda do seu fiel guitarrista Tony Bevilacqua e do genial Alain Johannes, que trouxe para o grupo o baterista Jack Irons (ambos tocavam no saudoso Eleven).
Embora Spinnerette não seja uma banda e sim um projeto onde Brody toca com as pessoas que quer que estejam ali no momento, foi com o lineup citado acima que ela lançou em 2008 o EP Ghetto Love e no ano seguinte o álbum Spinnerette.
     O som da banda é mais encorpado, repensado e mais complexo que o do Distillers. Tal mudança sonora levou alguns de seus fãs a torcerem um pouco o nariz. Mas Brody nunca ligou para esses tipos de opiniões: “Eu acho que se eu não fizesse algo diferente, provavelmente eu iria murchar e morrer. Você não pode fazer a mesma coisa toda hora. É preciso haver evolução. Fazer as mesmas coisas... quem quer isso? Eu não. É chato pra caralho.”

Já em 2014, depois de muito mistério acerca do destino da Spinnerette, Dalle confirmou que o projeto fora arquivado e se lançou em carreira solo, com o álbum Diploid Love, que viu a luz do dia em 28 de Abril, via Caroline Records/Queen of Hearts, e marcou o primeiro lançamento da australiana desde o disco homônimo e de estreia de seu projeto anterior, Spinnerette

Firmando mais uma parceria da moça com o experiente músico, produtor, compositor e engenheiro de som chileno Alain Johannes, o álbum trouxe 9 faixas inéditas e participações de Shirley Manson (Garbage), Nick Valensi (The Strokes), Michael Shuman (Queens of the Stone Age, Mini Mansions), Emily Kokal (Warpaint), Darren Weiss (ex-Girls), Jessy Greene (famosa violinista que já tocou com SuperHeavy e Foo Fighters), Tyler Parkford (Mini Mansions), Hayden Scott (baterista que já tocou com Paramore, AWOLNATION e que acompanhou Dalle nas primeiras turnês de divulgação de Diploid Love) e outros. Bem recebido, o disco foi criado por Dalle em seu melhor momento como artista e ser humano. É selvagem, visceral, poderoso, agressivo, corajoso, cheio de personalidade e soa como um berro carregado de esperança direto na direção do ouvinte. É um trabalho brilhante e que, esperançosamente, servirá para reconhecerem Brody por seu sobrenome artístico, Dalle, diminuindo o rótulo de “esposa de Josh Homme” e consolidando sua influência no legado musical.


Em Diploid Love, Dalle mostra estar mais à vontade e em maior sintonia com suas próprias músicas, sem medo de arriscar (na época do The Distillers, ela bloqueava a ideia de adicionar qualquer elemento que fosse contra a essência punk das canções), e toca 90% dos instrumentos escutados no álbum.

A liberdade de criação e a autoconfiança reconquistada após 4 anos de depressão e de crise existencial (período pelo qual passou ao dar a luz à Camille Harley, em 2006, e ao enfrentar críticas relacionadas ao seu peso pós-gravidez durante toda a era da Spinnerrette) levaram Dalle a incluir não só novas texturas e instrumentos inéditos em suas músicas (metais, violinos, korgs, mellotron e marxophone) – porém sem tornar a sonoridade complexa e perder a firmeza das canções (já que com a Spinnerette ela não conseguia executar ao vivo algumas faixas) -, como também a não ter medo de se assumir como artista solo e a assinar, pela primeira vez, seu nome como co-produtora de um álbum.

A sensação que fica é que, em sua estreia solo oficial, Dalle fez o que não conseguiu alcançar diretamente com a Spinnerette e misturou seus projetos passados com influências tanto de bandas mais ríspidas, como Misfits, Black Flag e Pailhead, quanto do pop e eletrônico do Metronomy, DEVO e Yeah Yeah Yeahs, oferecendo um disco com baixos sujos e cheios de fuzz, vocais guturais mesclados com linhas de vozes mais serenas, baterias bem desenvolvidas, guitarras encorpadas e letras tão honestas quanto diretas. Com isso, a australiana prova o porquê de não usar a coroa de títulos oferecidos como “ex-diva punk” e “indie moderna”, carregando sempre consigo a essência de “riot girl”. Brody Dalle não tem tempo para rodeios e frescuras: é durona, destemida e ponto final. Não mexa com ela. Não tente provar o contrário.



     Depois de todos os altos e baixos em sua vida; de mudanças drásticas e acontecimentos marcantes, o futuro tem todas as chances de continuar sendo positivo para Brody, uma vez que ela pensa nele dessa forma: “Eu acho que medo é para quem é supersticioso. E eu quero realmente ficar longe dessa merda. É mortal; é venenoso. Estou tentando ter uma visão positiva e continuar assim. Será interessante ver o que acontecerá. Eu sempre farei música. Eu venho fazendo isso desde sempre. Está em mim.”
 

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